quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Talvez eu devesse te ligar, talvez eu devesse não te responder… Muitas dúvidas me recobriram enquanto eu pensava no que te falar.
Se estou casada ou não, se tenho filhos na Suíça, se continuo indo à Sicília… Isso não te interessa. Não precisa fingir que está feliz por uma coisa ou outra, porque eu sei muito bem que o que você quer, e você não o tem.
Odeio ter uma boa memória. E entre todas as memórias de nossos verões e invernos, me recordo de todas as suas palavras, ébrias, sóbrias, ditas, não ditas, que latejam e doem até hoje. Essas suas palavras que cobrem um pedaço de papel qualquer e transformam-no em uma obra de arte. As mesmas que perfuram um coração e transformam-no em um pedaço de carne podre.
Digo o mesmo para ti, a vida é dura, então não se desespere. Toda essa culpa vai passar, o tempo há de curar-te, meu bem.
Agora vá. Vá e dê a alguém todo esse amor-do-mundo que está guardado aí!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Caríssima U.,

Apesar de toda a sua beleza, do que mais sinto saudades é de seus pés sujos depois de passar o dia andando descalça. Não sei o que me vem à cabeça, o que me dá no coração, mas a falta vem mesmo de todos os seus quase-defeitos, e de tudo aquilo que deveria te levar para longe. Sempre disse que me incomodava seu descaso: eram os vestidos mal passados, as meias manchadas, a falta de abraços apertados durante o sono. Hoje, são coisas que me passam pela cabeça, atravessam a memória, dando piruetas e calafrios. E que, surpreendentemente, me trazem sorrisos. Todos muito tristes, pelos motivos que um dia te disse. Eu que te coloquei para fora, então sua ausência me tem como causa. E toda essa tristeza e malemolência como consequência. Não que eu ande perguntando por aí, mas sei que você está bem. Não sei se casou, se já passou por três divórcios ou se agora tem um par de crias em um internato suíço. Sobre essas coisas eu nunca perguntaria. Claro que queria saber, mas sei que, ainda hoje, doeria. Se está casada: que merda. Quero dizer, que bom, que ótimo, que felicidade, meus parabéns! Que ele cuide muito bem de você, e não se esqueça de alisar sua nuca no frio. Se já passou por três divórcios: boas notícias. Talvez não para você. Um dia eu te disse, cheio de segurança, embriagado depois de uma garrafa de conhaque, eu te disse, você se lembra? Disse que eu era não só o homem, mas o amor, da sua vida. E isso não prova nada mais, espero. Se agora você tem mesmo um par de crias em um internato suíço: decepcionante, minha querida. O que aconteceu com os verões na Sicília? Aquela educação toda consciente: plantando árvores, aninhando coelhos, comendo chuchu e separando o lixo orgânico do lixo sei lá e do lixo sei-lá-mais-o-quê? Enfim, se sim, só posso te pedir que se acalme: a vida é dura, isso eu sempre te disse, até mesmo sóbrio. Posso não ser o pai, não aguentar as pestes correndo pela casa, mas tenho vontade e espaço. Além desse carinho todo por ti. Digo carinho para não parecer desesperado. Mas o desespero já está aqui. Não tenho merda de carinho nenhum. Tenho todo o amor do mundo! E todo o arrependimento! E toda a saudade! E toda a culpa! Uma culpa filha da puta, por saber que quando pude te segurar pelo braço, e encostar seu corpo no meu, e pedir para que ficasse, preferi segurar uma garrafa, e pedir para que jogasse no lixo, ali bem do ladinho da minha vida.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Muito poderíamos, muito não fizemos. Tentamos, mas as peças não se encaixaram. Seus verões foram quentes demais para meus invernos. Nossas primaveras foram inférteis, nossos outonos longos. Um fora consumido pelo outro, restando apenas a partida. Ainda não sei quem partira primeiro, lembro-me apenas do aperto de mãos final. Parei na próxima estação, estava agora em uma nova primavera, diferente da sua.

Querida T.,

Poderíamos ter seguido, mas preferimos sentar-nos para o tempo. Fizemos sala para a vida. Fizemos quarto para o amor. Montamos uma casa, um jardim, um quebra-cabeça. Montamos um ao outro. Esperamos a Primavera, ela veio. Passeamos com o verão. Permanecemos calados junto ao Outono. Escondemo-nos do Inverno que nos encontrou. Foi quando te levantastes e fiquei perplexa. Despediu-se da vida. Deu às costas para o amor. Demolimos a casa, fizemos do jardim um cemitério, perdemos as peças. Demolimos um ao outro. Esperamos as estações, não vieram. Ficamos na mesma estação indefinida. O trem chegou. Você partiu. E partiu-nos em cada pedaço que reescrevo aqui.
Despedi-me sim. Apertei-lhe a mão e o peito. Incomodou-se sim. Acomodou o incômodo até tornar-se imperceptível. Parti pela janela, pulei. Fui notada, louvada, levada para nunca mais e nunca menos. Não sentes pois nunca sentiu. Por meio desta, tento lembrar-te, tendo fazer-te acordar. No entanto, não consigo. Fui apenas uma miragem, cujo frescor e o vento, esqueceram-te de avisar, nunca existiu, nem nunca existirá.

Cara S.,

Não houve sequer uma despedida. Nem ao menos um aceno distante, ou uma palavra pronunciada. Partiras rudemente pela porta da frente, sem ser notada. Percebi tua não-presença alguns séculos depois, e também como ela não me incomodava. Por meio desta, tento incomodar-me, tento me fazer doer. No entando, não sinto. És-me agora insossa e insípida memória.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Nada escreverei de mim nesta carta, creio que o desapontamento fora causado por ti, destinatário. Diga-me, o que sabes dos números?! Talvez seja preciso um pouco mais do que deténs para uma aproximação - não que eu tenha a causado. Creio que teus sistemas encontram-se fracos, ou mesmo em pane. Não vejo o que não me é visto pelos olhos, nem sinto o que não me é sentido pela pele. Não acredito em teu choro, teus males, tuas dores, não as compreendo. Talvez minha aspereza fora um pouco demais para teu estômago fraco.